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"Meu otimismo com o Brasil se baseia nas estatísticas", diz Domenico De Masi Em entrevista, renomado sociólogo italiano destaca o modelo social brasileiro 03/06/2014 Autor do livro ‘O Futuro Chegou’, que descreve os modelos desenvolvidos por diferentes países em épocas diversas, o sociólogo italiano dedica um capítulo ao Brasil, com uma visão bastante otimista Em entrevista ao Brasil Econômico , no Rio, o sociólogo deixa claro que acredita mais na segunda hipótese. Amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e admirador do antropólogo Darcy Ribeiro, De Masi afirma que “o Brasil é um bom exemplo para o mundo pela convivência, pela criatividade, pelo sincretismo religioso”. E destaca que a miscigenação é o principal valor do país. Dá também uma explicação simples e objetiva para sua aposta: “Quando me perguntam porque eu sou otimista com o Brasil, eu respondo: vejam os dados estatísticos”. E dá um exemplo que lhe é familiar. “Dez anos atrás, havia no mundo 196 países. A Itália estava no 7º lugar no ranking econômico e o Brasil estava no 10º lugar. Hoje, está em 7º lugar e a Itália no 10º. Esse é um enorme motivo (para o otimismo)”. Em seu último livro, o senhor se mostra otimista com o Brasil, num momento em que o país passa por várias dificuldades. Qual a razão para seu otimismo? Os dados estatísticos oficiais. Dez anos atrás, havia no mundo 196 países. A Itália estava no 7º lugar (no ranking econômico), o Brasil estava em 10º lugar. Hoje, o Brasil está em 7º lugar, e a Itália em 10º. Esse é um motivo enorme. O Brasil é o quinto país exportador industrial do mundo. No Brasil há uma população de 200 milhões numa superfície que é 28 vezes maior que a da Itália. No Brasil não há conflitos de guerra com países vizinhos desde a guerra do Paraguai. A Itália fez guerra com todos os países em seu entorno, contra França, Alemanha, Espanha etc. No Brasil há uma redução, relativamente pequena, da classe mais pobre, a classe alta está aumentando. Na Itália, a classe alta vai diminuir, vai se proletarizar. São razões muito relevantes. Mas neste momento o país vive um surto de manifestações, há toda uma pressão por melhores e maiores investimentos em saúde, educação... Para mim, essas são demonstrações de otimismo. É bom que o país seja pacífico, mas não submisso, não colonizado. Vejo grandes problemas no país: a violência, a corrupção, a distância entre ricos e pobres e o analfabetismo. Se o governo é muito lento na resolução desses problemas, é importante que haja essa manifestação de massas para acelerar as soluções. É melhor ter essa manifestação na praça do que ter submissão. Trechos de seu livro foram pinçados para mostrar que o sr. estaria se comportando mais ou menos como autores do passado, que falavam do “bom selvagem”, da índole cordial do brasileiro... Não, não. Eu me referia a resultados de pesquisas de 10 anos atrás, feitas por antropólogos brasileiros, e não por mim, não é uma ideia minha. Esse personagem foi descrito por esse antropólogo, DaMatta (Roberto), e outros estudiosos brasileiros, mas não é ideia minha. Mas o sr. fala dessa visão de que o Brasil conviveu bem com a questão racial, de que a miscigenação faria parte da personalidade de nosso povo... Eu faço uma comparação com países eslavos, Iugoslávia, Hungria, Romênia etc., onde há quatro raças que sempre guerrearam, há mil anos guerream. No Brasil, há 45 etnias e não há uma guerra de brancos contra negros, de africanos contra índios. Houve, sim, uma grande exploração capitalista dos escravos e dos índios. Mas guerra, não. Entretanto, o sr. diz que o Brasil pode servir de exemplo para o mundo. Em alguns aspectos sim, sob outros, não. Não é um bom exemplo pela violência, pela corrupção. Mas é um bom exemplo pela convivência, pela criatividade, pelo sincretismo religioso. O sr. fala que o Brasil teria que buscar um modelo próprio, já que se inspirou por 450 anos na Europa e por 50 anos nos EUA. Qual seria esse modelo? Eu disse que o Brasil deve contribuir para criar um modelo novo. Há 15 modelos: o indiano; o chinês; o japonês; o clássico de Roma e da Grécia; o modelo hebraico; o católico; o muçulmano; o protestante; o iluminista; o liberal; o capitalista; o modelo socialista; o comunista; o pós-industrial; e o modelo brasileiro. Cada qual tem aspectos positivos e negativos. Eu digo que um novo modelo tem que pegar os aspectos positivos, o melhor de cada um desses 15. O Brasil é um dos 15, não é o modelo, mas tem suas contribuições a dar. Que modelo o Brasil deveria buscar? Vejo que o modelo do futuro teria que ser universal. Não deveria ser brasileiro, americano ou italiano, mas sim universal. Um modelo baseado sobre a miscigenação, em que haja multiculturas. Baseado na beleza, na harmonia. Não deve ser um modelo brasileiro, italiano ou japonês, mas uma síntese universal, tirando o que cada um tem de melhor. Não digo que o modelo do futuro é brasileiro. Digo em meu livro que o futuro chegou para todo o planeta, não só para o Brasil. Falo de modelos, no plural, para uma sociedade desorientada, planetária. Não digo que esse ou aquele modelo é melhor, digo que cada um tem aspectos positivos e negativos. Temos que pegar os aspectos positivos. No momento, com o livro de Thomas Piketty (“Capital no século XXI”), há um questionamento do modelo capitalista, sobre a concentração de renda, que estaria se agravando nos países ricos... Isso já dizia Marx em seus trabalhos... O que propõe Piketty? Ele propõe o imposto sobre fortunas, sobre a alta renda financeira. É o welfare state . É um modelo antigo, socialista, de reforma. A criação desse imposto seria importante, desde que se traduza em serviços sociais, como na Suécia. Na Itália, há altos impostos, mas que não se traduzem em serviços sociais. Eu pago 57% de impostos, na Suécia é na faixa de 60%. A diferença entre Itália e Suécia é que, na Itália, os impostos não se revertem em bons serviços para a população, por causa da ineficiência burocrática e da corrupção. O FMI, nos discursos de sua diretora-geral, Christine Lagarde, e em documentos técnicos, tem destacado a questão da desigualdade, como um risco para a sobrevivência do capitalismo. O sr. acha que o capitalismo já acordou para o problema da desigualdade? Todos os autores capitalistas, Adam Smith, Tocqueville, Montesquieu, Jeremy Bentham, Paul Samuelson, todos consideraram o problema da desigualdade. A questão é que esses autores capitalistas, liberais, dizem que a desigualdade não é vencível, não pode ser eliminada. Mas os economistas socialistas, social-democratas e marxistas dizem que a desigualdade só pode ser eliminada. No capitalismo, não há sensibilidade para a questão da desigualdade. A não ser que seja um capitalismo social-democrático. O Brasil teve a sorte de ter tido Fernando Henrique Cardoso e depois, Lula. Fernando Henrique era social-liberal, Lula era socialista. Fernando Henrique acumulou a riqueza, Lula a distribuiu. E Dilma Rousseff? Dilma não é nem um, nem outro. É uma via intermediária. Mas eu não conheço bem. Depende muito do estilo. O fato de ser mulher não quer dizer nada, Angela Merckel é mulher e tem uma personalidade forte. Margaret Thatcher também tinha. Creio que Dilma não tem uma boa equipe, mas não conheço bem a situação. O sr. sente uma diferença entre os quatro anos de governo de Dilma e os oito anos de Lula? O governo de Lula viveu uma grande contradição. Teve dois grandes processos de corrupção. Há muitas pessoas do governo Lula que estão presas. No Governo Dilma, até agora, não há presos, não sei no futuro... Uma diferença é que o governo de Dilma tem um desempenho mais regular, o de Lula teve muitos altos e baixos. O que depende muito do estilo de cada um, Lula era muito carismático e de compromissos, mas eu não conheço muito bem os governantes brasileiros. Conheço bem Fernando Henrique, que é meu amigo e com quem falo regularmente, mas não conheço bem Lula e Dilma. Fernando Henrique não está tão otimista quanto o sr. sobre o Brasil... Mas ele é oposição, não pode ser otimista... (risos). Se vencer a eleição, ele voltará a ser otimista. Quem é governo, é otimista; quem é oposição, é pessimista; é assim no mundo todo. O Brasil é o quinto no mundo em produção industrial, sétimo PIB mundial, tem uma taxa de desemprego baixa, que é um terço da que temos na Itália e metade da que temos na Europa, que está, na média, em 12%. Sobretudo, o desemprego dos jovens no Brasil é mínimo. Sabe quanto é o desemprego dos jovens na Itália? 42%. Há 2 milhões de jovens que nem estudam nem trabalham. É desastroso. Mas a extrema-direita não quer um estrangeiro disputando seu mercado de trabalho... A Europa é muito rica e se aproveitou da África por muitos séculos. A imigração é perigosa, causa centenas de mortes. E quando os imigrantes chegam, sofrem uma situação terrível. E o que fazer com a África? É necessário desenvolver a África, esta é a única solução. E isso depende de apoio do mundo ocidental. É como no Brasil. A violência é entre ricos e pobres, não é entre o Brasil e o exterior. É a mesma diferença entre a África e a Europa, que estão separadas pela distância de uma ilha. O sr. escreveu que o comunismo perdeu, e o capitalismo não venceu. O mundo financeiro está vencendo? Sim, está vencendo, mas isso é uma doença do capitalismo, não é um ponto de força, é uma fraqueza. Porque o comunismo sabia distribuir a riqueza, mas não sabia produzir. O capitalismo sabe produzir, mas não sabe distribuir. Hoje, no mundo, há 85 pessoas que tem mais riqueza do que outras 3,5 bilhões de pessoas. Isso não é capitalismo, porque 85 pessoas, ricas, podem consumir uma Ferrari, um iate, mas 3,5 bilhões podem consumir 3,5 bilhões de sapatos. Mas não há só empresários financeiros nesses 85... Há três italianos, e todos são do setor produtivo. Há a dona da Prada (Miuccia Prada), um fabricante de óculos (Leonardo Del Vecchio) e o Ferrero (Pietro Ferrero Jr.), que produz a Nutella. Esse mundo é muito louco, com Nutella, se consegue ser um dos homens mais ricos do mundo... não por salvar vidas humanas, ou fazer grandes invenções, como Leonardo Da Vinci, mas por fabricar Nutella... (risos). Como, diante de tantos problemas, pensar que o ser humano, aos 50 anos, já pode parar de trabalhar e se dedicar a uma vida de lazer? Li um artigo que dizia que eu quero um mundo de ócio, viver como vivem os índios. Ócio criativo é outra coisa! É o que estamos fazendo aqui — trabalho, estudo, troca de ideias. Isso é ócio criativo, não é não fazer nada. E os índios não ficavam fazendo nada. Eles tinham um ritual estético que é muito importante, tão importante quanto o de Giorgio Armani. Cuidavam do corpo, todos os dias, pintavam o corpo da pessoa amada, porque entendiam que a arte é tão importante que não podia ser feita por qualquer artista. Os índios não eram preguiçosos, eles trabalhavam. Não faziam é atividades remuneradas, porque tinham a natureza, a caça, a pesca. Mas não eram ineficientes. Um das críticas é que o sr. estaria numa linha de pensamento contrária à produtividade, quando um dos maiores problemas da economia brasileira é a baixa produtividade do trabalho... Eu sou a favor da maior produtividade do trabalho! Que seria usar mais o computador, por exemplo, e menos o trabalho braçal. Isso é ócio criativo, fazer só o trabalho criativo. O trabalho braçal fica a cargo do computador, do robô. São Paulo é pela baixa produtividade, porque a cidade construiu as empresas e escritórios a 4 horas de carro para as pessoas chegarem lá. Mas a produtividade física tem que ser da máquina, não do homem. O homem tem que ter a produtividade de ideias. O sr. fala também que o brasileiro se preocupa muito com o corpo, que é hedonista... Veja, todas as horas, de dia e de noite, o tempo todo, tem gente correndo na Praia de Ipanema. O brasileiro ama o corpo. Mas os americanos também... Não como aqui, nos EUA não tem um Ivo Pitanguy. Há um motivo para os brasileiros amarem o corpo. Porque o brasileiro era um povo majoritariamente de escravos, e a única propriedade que o escravo tinha era seu corpo, que precisava ser belo, forte, saudável. É essa a herança. O índio também era saudável... Mas não cuidava tanto de seu corpo. As pessoas deviam ler os livros de Darcy Ribeiro. Ele escreveu cinco volumes, que eu li e conheço muito, e ele explica bem. Diz que na cultura e no caráter brasileiro há três matrizes. A matriz portuguesa, que habituou o brasileiro à aventura e ao aprendizado; a indígena, que o habituou à estética e à harmonia com a natureza; e a africana, que o habituou à musicalidade e ao sincretismo. E eu acrescento uma quarta, que é a matriz internacional, que veio dos alemães, dos japoneses, italianos, poloneses, franceses, que deram um caráter universal à matriz brasileira. Eu não disse que os índios deram a matriz do ócio, da ineficiência. Há muitas matrizes, mas não a da indolência. Neste momento, em todo o mundo, há um grande movimento pela lerdeza, slow food, slow tourism, slow sex, tudo slow, contraposto à velocidade. Porque durante a sociedade industrial, a eficiência e a produtividade derivavam da velocidade. Hoje a velocidade é feita pelas máquinas, a nossa produtividade é de ideias. E a questão da velhice? Mais pessoas estão vivendo mais, aumentando os custos da previdência para os governos... Por que mais previdência? Por que as pessoas têm que parar de trabalhar? Por causa da lei? Esse é o modelo industrial, que está errado, é um modelo louco. O mercado de trabalho vai mudar, é uma necessidade. As pessoas têm que continuar trabalhando e serem produtivas. Quem faz um trabalho mental, como um jornalista ou um professor, deve continuar a trabalhar. Por que parar? Mas a realidade não é assim... A realidade não me interessa, a realidade é uma loucura, e vai mudar, vai ter que mudar. Quer dizer que aos 60 anos eu sou um jornalista e não devo mais escrever? Sou um professor e não devo mais ensinar? Um filósofo e não devo mais pensar? Então, devo estar disponível para morrer aos 55 anos? O sr. escreveu sobre a era de Adriano, quando não havia mais deuses, ainda não havia Jesus Cristo e havia apenas o homem. Vivemos um momento parecido? Veja o Brasil. Não há mais o modelo europeu, não há mais o modelo americano, e não há ainda um novo modelo. Seria uma loucura, hoje, copiar o modelo americano ou o modelo europeu. Há algum modelo a ser copiado? Não! É fato! É necessário criar um modelo. Pela primeira vez, o Brasil deve criar um modelo. Copiou por 500 anos, mas não é possível continuar copiando. Essa lógica valeria para os demais países emergentes? A China e a Índia estão criando seus modelos. Mas é errado criar só um modelo indiano, um chinês, um brasileiro, é necessário criar um modelo universal. Falando sobre economia, estamos saindo de uma crise... Não estamos! Isso não é uma crise. O que é uma crise? Crise é uma doença passageira, que se toma um remédio e passa. Isso não é uma crise, é uma redistribuição mundial da riqueza. Que não é rápida, pode durar dois, três, cinco séculos. A China e o Brasil crescem; Estados Unidos, Itália e França, decrescem. A China tinha uma renda per capita de US$ 1 mil; na Itália era de US$ 30 mil. A renda per capita na Itália passou para US$ 3,6 mil, na China foi para US$ 4 mil. É uma redistribuição da riqueza, não é crise, é uma coisa completamente diferente. O sr. acha que os EUA continuarão a ser um país hegemônico nos próximos anos? Os Estados Unidos já têm uma hegemonia científica há mais de 50 anos. É o país que mais produz patentes no mundo. Tem as melhores universidades, os melhores institutos de pesquisa e o maior número de patentes. Essa é a hegemonia americana. Mas eles vão manter essa hegemonia? Por ora, vão. Porém, a China já é a terceira no mundo em biotecnologia, e a primeira em nanotecnologia. Se olharmos o PIB da Itália nos últimos 60 anos, é uma curva descendente. O dos EUA, têm crescimento estável. Já a China, vem aumentando seu ritmo de crescimento ano a ano. Na lista dos dez países com maiores taxas de crescimento do mundo de 1982 a 1987, elaborada pelo FMI, tínhamos Estados Unidos, Japão, China, Reino Unido, Brasil, Índia, Alemanha, Coreia do Sul, Itália e Canadá. E agora, na previsão de 2012 a 2017, o ranking traz China, EUA, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia, Coreia do Sul, México, Japão e Turquia. Repare que na nova lista não tem nenhum país da velha Europa. Quando me perguntam por que eu sou otimista com o Brasil, eu respondo: vejam os dados estatísticos. Quais são os aspectos negativos que o sr. vê no atual modelo brasileiro? Há a violência, a corrupção, o analfabetismo, a divisão desigual da riqueza e a infraestrutura. É uma loucura que, para ir do Rio de Janeiro, 16 milhões de habitantes, a São Paulo, com 43 milhões, tenhamos que viajar de avião. Não há trem, é uma loucura, é a distância Roma-Bolonha, que fazemos em duas horas, de maneira cômoda. E o que tem de bom no modelo brasileiro? A miscigenação é o principal valor do Brasil. “É tudo mestiço”, já dizia Oscar Niemeyer, “sou brasileiro, português, espanhol, alemão, italiano, sou, portanto, mestiço, como são mestiços a maioria dos meus irmãos brasileiros”. Esse é o aspecto mais forte. Porque todo o mundo vai virar mestiço. Os africanos vão para a Itália, os paquistaneses vão para o Afeganistão, os afegãos vão para a Índia, todo o mundo vai se misturar. A miscigenação é um fator fundamental. O outro aspecto positivo é a estética. Há também o crescimento da escolarização, o Brasil tem ótimas universidades. E a educação é um dos setores mais criticados aqui, dizemos que é um setor muito atrasado... Não é atrasado. É atrasado em relação aos Estados Unidos, mas não é atrasado em relação ao Brasil de 10, 20 anos atrás. Melhorou. Tem ainda as boas experiências de gestão empresarial, há muitas experimentações interessantes sendo realizadas no Brasil neste momento.
Paulo Henrique de Noronha e Octávio Costa - Brasil Econômico Veja também |