Contratação do Delúbio é ato político contra julgamento de exceção, diz presidente da CUT
Na entrevista, Vargner Freitas falou da pauta sindical do período e das expectativas para o último ano do primeiro mandato da presidenta Dilma, cuja principal bandeira é o fim do que ele chama de herança maldita do governo FHC, o fator previdenciário
28/01/2014
Em entrevista à Carta Maior, Vagner Freitas, presidente da maior central sindical brasileira, afirmou que a contratação do ex-presidente do PT, Delúbio Soares, condenado pela Ação Penal 470 a XX anos de prisão em regime semiaberto, é um reconhecimento da expertise dele em relação à pauta política e sindical, é um ato de solidariedade ao companheiro que foi um dos fundadores da CUT, mas também é um ato político contra um julgamento de exceção, que a central teme que possa abrir precedentes jurídicos que prejudiquem a luta dos trabalhadores.
Na entrevista, Freitas também explicou porque as centrais sindicais se contrapuseram ao projeto de regulação do trabalho de curta duração, apresentado pelo governo para regulamentar as relações trabalhistas durante a Copa do Mundo. “Da forma como o dispositivo está colocado, ao invés de regulamentar o trabalho de curta duração em benefício dos trabalhadores, ele irá permitir que empresários inescrupulosos possam legalizar as irregularidades que já praticam hoje”, justifica.
O presidente da CUT ainda falou da pauta sindical do período e das expectativas do mundo sindical para o último ano do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, cuja principal bandeira é o fim do que ele chama de “herança maldita do governo FHC”: o fator previdenciário. “Nós defendemos que o governo Dilma tem que ser lembrado como aquele que permitiu aos trabalhadores reaver seu direito de se aposentar com salário digno”, disse.
Confira a íntegra da entrevista:
Carta Maior – As centrais sindicais, incluindo a CUT, abriram a pauta sindical do ano se contrapondo ao projeto do governo para regulamentar o trabalho de curta duração, com vistas à Copa do Mundo, apresentado este mês. Por quê?
Vagner Freitas – No Brasil, há um grande número de empresários sérios, mas também há uma parte de empresários inescrupulosos. E nós avaliamos que a proposta de trabalho de curta duração para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas não pode dar brechas para que alguns empresários a utilizem para burlar a lei contra os trabalhadores. O que nós estamos alertando o governo é que, da forma como o dispositivo está colocado, ao invés de regulamentar o trabalho de curta duração em benefício dos trabalhadores, ele irá permitir que empresários inescrupulosos possam legalizar as irregularidades que já praticam hoje.
CM – Então, a avaliação das centrais é que o projeto pode ter um efeito contrário ao anunciado pelo governo?
VF - Ele pode ter um efeito mais ou menos parecido com o que teve o projeto apresentado pelo finado deputado Adão Preto, do Rio Grande do Sul, importante companheiro nosso de luta, para regulamentar o trabalho das cooperativas. A intenção era correta, de regulamentar o cooperativismo internacional que a CUT defende, forjado e constituído pelos trabalhadores, onde eles não são empregados, mas cooperativários, com o mesmo ideal e usufruindo do fruto coletivo do trabalho. Só que, no dia a dia do Brasil, o projeto acabou propiciando a farra das “cooper rádios” que são empresas não cooperativas que se aproveitam dessa legislação para explorar ainda mais os trabalhadores. Com o trabalho de curta duração pode acontecer algo parecido.
CM – E qual alternativa a CUT apresenta?
VF – A CUT vai construir outro projeto, a partir daquele apresentado para as centrais. Nos já estamos com a nossa equipe jurídica aqui pensado sobre isso, e vamos discutir com o governo algo que seja absolutamente focado apenas na copa do Mundo. Algo que, depois, não vire legislatura para tudo no Brasil.
CM – O governo se mostrou aberto ao diálogo?
VF – O governo precisa estar aberto ao diálogo. Ao mesmo tempo em que apresentou seu projeto para as centrais sindicais para ter apoio, a CUT tá dizendo que vai procurar o governo, com boa vontade, para apresentar uma alternativa. Se o governo tem a pretensão de que não haja burla, a CUT também tem. Então, vamos tentar construir um projeto a partir da visão da CUT que, esperamos, seja absorvido pelas demais centrais. E, depois, discuti-lo com o governo. Nós não somos contra a regulamentação, mas dependendo da forma com que se regulamenta, se coloca a perder e não a ganhar para os trabalhadores. Como nós queremos fazer um sindicalismo propositivo, como nós acreditamos que o Brasil vive um momento de diálogo e concertação, com a possibilidade que você tem de conversa entre patrão, empregado e governo, nós vamos apresentar uma proposta. CM – Quais as outras pautas sindicais importantes para o período?
VF - Não é possível que nós acabemos o mandato da presidenta Dilma sem o fim do fator previdenciário, uma herança maldita do governo Fernando Henrique Cardoso que prejudica os trabalhadores, penaliza quem começa a trabalhar mais cedo, faz o trabalhador trabalhar mais tempo e se aposentar ganhando menos. Nós precisamos extingui-lo ou discutir uma fórmula intermediaria que venha devolver aos trabalhadores o que lhes foi tirado por essa política equivocada.
Em abril, provavelmente, termos um ato público para discussão da nossa pauta de reivindicação e uma das questões centrais será o fator previdenciário, além da redução da jornada sem redução do salário, a questão da regulamentação dos direitos de negociação do serviço público, a questão da educação pública, gratuita, renovadora e transformadora, a pauta dos trabalhadores do campo, familiares e da reforma agrária.
Mas, sem dúvida nenhuma, o fim do fator previdenciário é a atitude política que nós queremos que marque o governo Dilma. O governo Lula ficou marcado pela construção de uma regulação perene de valorização do salário mínimo. Nós defendemos que o governo Dilma tem que ser lembrado como aquele que permitiu aos trabalhadores reaver seu direito de se aposentar com salário digno.
CM – O que ainda emperra o fim do fator previdenciário?
VF – É a discussão sobre o financiamento da previdência. O que nós colocamos é que a previdência é um patrimônio dos trabalhadores e nós jamais colocaríamos em pauta uma proposta que representasse riscos para ela. Nós não queremos que se arrebente a previdência. E acreditamos que acabar com o fator previdenciário ou criar uma regra intermediária não acabará com o custeio da previdência. Com isso, nós não temos concordância. Por isso, queremos sentar à mesa e apresentar nossas argumentações para que o governo tenha segurança de que isso não prejudica a questão previdenciária. Outras medidas, sim. Se o país continuar, por exemplo, com a isenção de uma parcela do empresariado, obviamente vai ter dificuldade para mantar o sistema previdenciário. Mas fazer o trabalhador trabalhar mais e ganhar menos não pode ser a política social para manutenção da previdência. A previdência deve existir justamente para o contrário: para propiciar que o trabalhador ingresse no sistema, colabore com o sistema, faça que ele seja plural com todos contribuindo e se beneficiando e, por fim, tenha uma aposentadoria digna e decente.
CM – O senhor não falou na reforma política e no marco regulatório da mídia. Estas bandeiras continuam entre as prioridades da CUT?
VF – São duas questões fundamentais. A CUT é uma central sindical de transformação, que trabalha seus trabalhadores e sindicatos filiados para que sejam agentes de transformação da sociedade, através da valorização do trabalho. Então, nós não podemos, e nem é da nossa característica, fazer apenas reivindicações pontuais na área do direito do trabalho. Nós precisamos transformar a sociedade em benefício do trabalhador, com mais direitos e mais democracia. Nós participamos do Fórum Nacional pela Reforma Política. Inclusive, concordamos com a proposta da presidenta Dilma de fazer uma constituinte específica para a reforma política, porque entendemos que este congresso Nacional, da forma que é constituído, terá dificuldades de fazê-la.
Nós precisamos mudar o modelo eleitoral do Brasil, acabar com o financiamento privado de campanha, criando o financiamento público, para acabar com essa história da população achar que está votando no candidato que ela escolheu, quando na verdade ela está votando no candidato que o sistema determinou que ela votasse, a partir do dinheiro empregado em sua campanha. Essa questão da reforma política é a mãe das reformas, para que você tenha no Congresso Nacional, por exemplo, uma representação democrática do que pensa toda a sociedade brasileira. E não como acontece hoje, em que essa representação é hegemonizada pelos empresários, que são quem financiam as campanhas eleitorais.
E nós queremos também que não seja reformada só a questão eleitoral. Que a sociedade tenha direito a instrumentos de participação democrática direta, como referendo, plebiscito. Nós não entendemos que, quando você elege um dirigente, seja para o Executivo ou para o Parlamento, ele tenha, a partir daí, tutela absoluta da sua vida para fazer o que ele bem entende com o voto que você lhe deu. Há assuntos de relevância que têm que ser deliberado pela sociedade. Nós defendemos também a questão de reforma da mídia. Não queremos de maneira nenhuma estabelecer uma política de censura, mas que o Brasil tenha, de fato, liberdade de expressão. Porque hoje não temos. No Brasil, quem tem liberdade de expressão é quem comanda os meios de comunicação. E com isso você concentra toda a tentativa de construção da opinião do povo brasileiro nas mãos de um empresário que só visa ter lucro individual, como se fosse um banqueiro ou um industrial. Nós queremos um marco regulatório das comunicações. Existe em outras partes do mundo, na Inglaterra e nos Estados Unidos, que procura civilizar o direito à comunicação, e não monopolizar a desinformação a serviço do capital. Esta é uma luta constante da CUT.
CM – Você falou da concentração dos meios, do monopólio da mídia. Agora, por exemplo, a central têm recebido muitas críticas da imprensa por conta da contratação do Delúbio Soares, condenado pela ação penal 470. Como a CUT está lidando com isso? Há desacordos internos ou a iniciativa foi consensual?
VF – O Delúbio Soares é um cidadão brasileiro que foi condenado por um julgamento que a CUT considera político, e não jurídico. Não foi apresentada prova nenhuma contra o Delúbio, ou contra o José Dirceu, o José Genoino, o João Paulo Cunha e outros mais. Mas independentemente da opinião da CUT, o próprio julgamento determinou que o Delúbio Soares tem condições de cumprir sua pena em liberdade condicional. E, para que essa liberdade condicional exerça a possibilidade de atenuar a sua pena, ele precisa ter um local de trabalho. A legislação diz isso. Não é a CUT. E para o Delúbio Soares e qualquer outro condenado a mesma pena.
A CUT não concorda com o julgamento, mas o STF precisa ser respeitado. Então, o que a CUT fez foi oferecer ao Delúbio Soares um local de trabalho. E por que ao Delúbio? Ele é fundador da CUT, é professor do sindicato de Goiás, foi tesoureiro da CUT e exercerá funções na CUT que ajudarão na área de formação sindical, de formação profissional, repassando sua experiência para dirigentes sindicais mais novos. Portanto, é um companheiro que tem trajetória e que está trabalhando no que ele entende. Não há nenhum absurdo: a CUT é legalmente constituída, paga a ele um salário que paga a outros assessores que fazem a mesma coisa que ele. A diferença é que o estado brasileiro colocou o Delúbio numa outra condição, de ser hoje um preso, com restrição de liberdade, que precisa arrumar emprego em algum local. É a CUT é um local que ele entende. Não tem nada de excepcional em relação a isso.
Esta é a questão mais óbvia. Mas também nós entendemos que é importante, para deixar claro para a nossa militância e para o Brasil de maneira geral, que nós temos que lutar para que este tipo de julgamento de exceção não contamine toda a democracia brasileira. Nós estamos muito preocupados que o que aconteceu neste julgamento da ação penal 470, em especial a aplicação da teoria do domínio do fato. Você pode ser punido, preso e condenado sem que nada seja provado nada contra você. E isso, com certeza, será usado contra os movimentos sociais brasileiros, contra a CUT, contra o MST e outros movimentos mais que questionam as leis. Porque uma coisa é o Delúbio, o Dirceu, o Genoino, pessoas de grande expressão nacional, que de alguma forma conseguem encontrar formas de se defender, de fazer até campanhas de arrecadação, inclusive pedindo para que a militância partidária pague as multas impostas. Mas nem todos no Brasil têm esta possibilidade.
Então, se você não lutar contra um julgamento de exceção que criminaliza sem ter provas, o que pode acontecer é que outros que não tem essa mesma expressão sejam criminalizados e presos, sem ter como reagir ou como se defender. Então, além de nós ofertarmos um emprego legal e de nós termos uma relação de companheirismo com o Delúbio, por ele ser um dos fundadores da CUT e uma pessoa altamente gabaritada, também tem esse nosso grito, esse brado de alerta pela democracia, pelo estado democrático de direito, contra a judicialização da política.
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