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O "plano Temer" ignora a reforma tributária Reforma tributária segue ausente das falas da equipe econômica, que nada disse também sobre temas mais espinhosos deste universo, como tributação de grandes fortunas, heranças ou lucro e dividendos 26/05/2016 Doze dias após tomar posse, o governo interino de Michel Temer anunciou seu pacote de medidas que tem como objetivo aliviar a pressão dos gastos sobre o rombo no orçamento, calculado agora em R$ 170,5 bilhões. Muito se falou em reforma da previdência, cortes em programas sociais ou criação e aumentos de impostos. Na prática, tem-se uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com o objetivo de limitar o crescimento das despesas no futuro, um resgate de 100 bilhões de reais de repasses do Tesouro Nacional feito para o (BNDES) e o fim do Fundo Soberano, que tem cerca de 2 bilhões de reais em caixa. Fica a crítica feita pelos economistas: não é possível realizar um efetivo ajuste fiscal olhando apenas pelo ângulo da despesa. Para a economista e professora da PUC-SP Cristina Helena de Mello, o Brasil se encontra numa situação particularmente difícil por combinar o forte aumento dos gastos públicos com a queda da arrecadação, resultado principalmente da desaceleração da economia. Portanto, atacar apenas um dos lados não resolverá o problema. “É mágica querer fazer ajuste sem aumentar impostos. Não é simples, não é fácil. E nesse cenário volta-se a falar de novo em reforma da previdência sem se falar em reforma tributária. Opta-se sempre pelo lado das medidas simples e de baixo custo político”, afirma. Marcelo Medeiros, economista e especialista em desigualdade social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é ainda mais crítico. Para ele, é ingenuidade achar que é possível fazer um ajuste só pelo lado do gasto, pois um real ajuste envolve mexer na arrecadação, ou seja, na tributação. “O Brasil tem que enfrentar uma reforma tributária. É claro que o problema agora é de curto prazo, mas não pode esquecer que por mais que a gente tente resolver o curto prazo, continuaremos diante do problema de longo prazo: precisamos de uma reforma tributária. É um sistema interligado”, explica. Se o termo reforma tributária segue ausente das falas da equipe econômica, nada foi dito também sobre temas mais espinhosos deste universo, como tributação de grandes fortunas, heranças ou lucro e dividendos. Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP) e coordenador executivo do Fórum de Economia vê com ceticismo a ideia de que o governo interino tem apoio no Congresso e cacife político para de fato fazer andar reformas importantes. “O que parece até agora é que tenta fazer algumas medidas impopulares e volta para trás diante da reação da sociedade. Se for para fazer uma reforma que realmente é para por ordem nas contas, então vamos taxar quem realmente precisa ser taxado, dentro do princípio básico de proteger os mais pobres”, afirma. A principal medida anunciada nesta terça-feira 24 pelo presidente interino Michel Temer é a proposta de adoção de um teto para os gastos públicos, ideia muito semelhante à que foi feita pela equipe econômica da presidente afastada Dilma Rousseff. Pela PEC que deve ser enviada ao Congresso nos próximos dias, a despesa primária total do ano não poderá crescer mais que a inflação do ano anterior. Na prática, cria-se um indexador para o gasto público. A professora Cristina de Mello acredita que a medida “pode ser interessante”, mas mais eficiente seria pensar numa estratégia de fato de longo prazo para melhorar o perfil e a eficiência do gasto público. Na sua opinião, criar apenas um indexador premia quem não cumpre as metas, ou seja, não obriga os entes do governo central a entregarem resultados que pesariam positivamente sobre as contas públicas como um todo. “Vincular o aumento do gasto a entrega de resultados seria mais interessante. Além disso, embora seja importante olhar para o longo prazo, a medida não deve refrescar imediatamente os cofres da União. Para o economista Nelson Marconi as declarações do governo não deixaram claro onde os cortes do orçamento serão feitos com a nova trava para o aumento dos gastos. Para ele, não será saudável para o país se essa contenção vier da saúde ou da educação, por exemplo. “O efeito não é imediato, não é uma solução para agora, mas é importante criar um controle”, disse. A dúvida é compartilhada pelo economista e professor do Insper Otto Nogami, que também não viu clareza sobre onde haverá cortes quando as despesas crescerem mais que o permitido pela nova regra. “Não adianta cortar causando problemas estruturais”, afirma o especialista se referindo a eventuais cortes em áreas essenciais como educação e saúde. Para ele, a medida é positiva por sinalizar a preocupação do governo em controlar o crescimento da dívida, mas não esclarece totalmente como isso será feito. Nogami também considerou “tímidas” as medidas anunciadas, justamente por elas mexerem apenas nos gastos, e não na arrecadação. A outra medida anunciada é o resgate de R$ 100 bilhões, de um total de cerca de R$ 500 bilhões, aportados pelo Tesouro Nacional no BNDES nos últimos anos. Esses repasses foram feitos para que o banco de fomento fizesse empréstimos às empresas e aquecesse a economia. Segundo a equipe econômica do governo federal, 40 bilhões de reais devem voltar para o Tesouro imediatamente, 30 bilhões de reais daqui a um ano e o restante em 24 meses. Esses R$ 100 bilhões não terão impacto no déficit primário do governo, mas deve ser bem recebido pelo mercado, segundo o professor de economia da Universidade de Brasília (UNB) Victor Gomes. Para ele, rechear os cofres do Tesouro é um sinal claro de que o governo está atento à saúde do Tesouro, o que pode se reverter em confiança. “Mostra que o Tesouro terá recursos se for necessário realizar aportes nas estatais, por exemplo. De modo geral, é um recado claro de que o governo está atento à trajetória da relação entre a dívida pública e o PIB, o que se reverte na redução do risco país e na entrada de investimento estrangeiro”, avalia. Credores e sonegadores Outra fonte de recursos que poderia ser ativada em momento de rombo das contas públicas é a dívida ativa da União. Calculada em 1,58 trilhão de reais em dezembro, a dívida supera a arrecadação de 2015, que foi 1,274 trilhão de reais. A recuperação desse montante é lenta e a estimativa é que, por ano, somente 1% da dívida é resgatado. Embora cobrar de forma mais eficiente o que é devido à União não resolvesse os problemas de eficiência do gasto público, o professor Marconi, da FGV, faz um paralelo: é como ter uma renda que não cobre as despesas, mas ao mesmo tempo ter uma série de pessoas que nos deve. “Com essa receita posso cobrir meus gastos, mas se eu não ajustar as minhas despesas, vou continuar gastando mais isso fica insustentável.” Ainda assim, Marconi acredita ser “corretíssimo” cobrar e o governo deveria se empenhar nisso, o que lhe daria mais fôlego para planejar o assunto. “Seria uma estratégia para ganhar fôlego e, seja qual for o governo, fazer um ajuste fiscal criterioso. Inclusive, fazer um ajuste fiscal numa época em que a receita está caindo como agora é muito difícil. Só vai conseguir o equilíbrio das contas mesmo quando o Brasil voltar a crescer”, opina. E o Brasil só deve voltar a crescer quando todas as variáveis econômicas se equilibrarem: a taxa de juros cair, para estimular o investimento, e o câmbio se manter num patamar competitivo.
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