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Quanto vale um escravo para o governo Temer? . 01/11/2017 A salvação do peemedebista dependeu da investida do ministro do Trabalho contra o combate ao trabalho escravo Rejeitado por 77% dos brasileiros e aprovado por míseros 3%, segundo a última rodada do Ibope, o presidente mais impopular desde o fim da ditadura pagou caro para salvar o próprio pescoço, embora não tenha colocado a mão no bolso para pagar a fatura. Apenas nos últimos dois meses, Michel Temer liberou quase 1 bilhão de reais em emendas parlamentares para sepultar na Câmara a segunda denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o peemedebista, por obstrução da Justiça e formação de quadrilha. Além de leiloar cargos no segundo escalão, o governo ampliou ainda as concessões a empresas no programa de refinanciamento de dívidas com a União, abrindo mão de 2,4 bilhões de reais. A conta também inclui as mudanças que inviabilizam o combate ao trabalho análogo à escravidão, antiga reivindicação da bancada ruralista. “Não troco votos por escravos”, diziam os solitários cartazes empunhados por deputados da oposição. Diante da recusa do governo em rever a portaria que altera os conceitos que definem o trabalho escravo no Brasil, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) decidiu, na quarta-feira 25, pela primeira vez em sua história, instaurar uma investigação contra o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, por prática atentatória à dignidade humana. Suspensa por decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, a portaria reduz a caracterização de uma relação escravagista às situações em que há restrição à liberdade dos trabalhadores. Afasta-se, assim, a possibilidade de enquadrar os empregadores que os submetem a jornadas exaustivas e a condições degradantes, o que diminui o alcance das políticas de prevenção, repressão e reparação às vítimas O artigo 149 do Código Penal prevê de 2 a 8 anos de reclusão para quem reduzir alguém à condição análoga àquela do escravo, “quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. A portaria do Ministério do Trabalho, de natureza infralegal, usurpa a prerrogativa do Congresso Nacional de mudar o texto, observa Ângelo Fabiano Farias da Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (artigo à pág. 30). Não bastasse, o novo regramento transfere da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) para o gabinete do ministro a atribuição de publicar a chamada “Lista Suja”, cadastro de empregadores flagrados na prática do crime. Em nota, a Organização Internacional do Trabalho disse que a portaria ameaça “interromper uma trajetória de sucesso que tornou o Brasil uma referência e um modelo de liderança mundial no combate ao trabalho escravo”. Para Antonio Carlos de Melo, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT no Brasil, a interpretação restritiva do crime fragiliza ainda mais os trabalhadores em situação de extrema pobreza, sobretudo em um contexto de elevado desemprego. “Quando bate o desespero, ele pode aceitar qualquer condição imposta para ter alguma fonte de renda. Os exploradores de mão de obra escrava desejam lucro fácil e rápido, não hesitam em reduzir custos em detrimento da dignidade humana.” Desde 1995, mais de 52 mil cidadãos foram libertados de situações de trabalho análogo à escravidão. “Cerca de 80% dos casos dizem respeito à submissão de trabalhadores a jornadas extenuantes e condições degradantes de trabalho”, afirma Adílson Carvalho, coordenador-geral da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). “Já tivemos casos de pessoas que morreram de exaustão no corte de cana-de-açúcar, após trabalharem muitas horas sem descanso debaixo do sol intenso”, afirma. “Da mesma forma, vemos muitos casos de empregados obrigados a dormir ao lado de animais, dividindo o mesmo abrigo, a mesma água não tratada, sem acesso a banheiro, alimentando-se com comida contaminada.” Desde que tomou posse, após o afastamento de Dilma Rousseff pela Câmara, Nogueira tem imposto obstáculos para a divulgação da Lista Suja, além de promover cortes orçamentários que levaram à interrupção das atividades de fiscalização, critica o advogado Darci Frigo, presidente do CNDH. “Essa portaria é apenas o último ato de uma política de desmonte da área dedicada ao combate desse crime”, lamenta. Nomeado em 12 de maio de 2016, no mesmo dia que Temer assumiu interinamente a Presidência, Nogueira tentou, desde cedo, intervir no trabalho da Detrae, chefiada por André Roston, remanescente da administração anterior. Nas semanas seguintes à deposição da petista, o ministro passou a se reunir com a equipe da divisão com o objetivo de impedir a divulgação da Lista Suja. Diversos organismos ligados à luta contra a prática, entre eles o Ministério Público do Trabalho e representantes da Conatrae, acionaram a Justiça em defesa da divulgação. Em dezembro de 2016, o juiz Rubens Curado Silveira, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, ordenou, em decisão liminar, que o ministro voltasse a publicar a lista. O governo tentou recorrer da decisão no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região e no Tribunal Superior do Trabalho, mas não logrou êxito. A justificativa era a de que os nomes retirados ainda não tinham esgotado todos os seus recursos na Justiça contra as acusações. Entre as empresas que foram retiradas da relação está a Citrosuco, produtora de suco de laranja. À CartaCapital interlocutores relataram uma reunião entre representantes da empresa e do ministro Nogueira nos dias que antecederam a divulgação da Lista Suja. A pressão do agronegócio, atividade campeã em acusações de trabalho escravo, ocorria de forma mais direta entre deputados da bancada ruralista e Nogueira. Em entrevista à GloboNews, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, admitiu que a portaria entrou nas negociações para preservar o mandato de Temer. “Temos um momento confuso e a classe produtora resolveu levar essa reivindicação ao presidente. Ele atendeu, e nós só temos a comemorar.” O agronegócio não era, porém, o único setor interessado. Os corredores do Ministério do Trabalho costumavam ser frequentados por representantes da construção civil e do setor têxtil, também alvos relevantes das denúncias. Em agosto, Roston participou de uma audiência pública no Senado, em que apresentou dados oficiais sobre a falta de recursos para apurar as denúncias de trabalho escravo. Originalmente, Nogueira foi convidado pelos senadores para a audiência, mas a tarefa recaiu sobre o chefe da divisão de fiscalização. Para Carlos Fernando da Silva Filho, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, o servidor, exonerado do cargo no início de outubro, agiu corretamente ao expor a asfixia financeira. “Há uma queda progressiva do orçamento e das ações de inspeção do trabalho desde 2012, mas neste ano houve uma pane seca. O governo cortou cerca de 70% dos recursos previstos e boa parte das atividades de fiscalização foi suspensa em meados de julho. Somente após muita pressão o governo liberou 5 milhões de reais, valor insuficiente para a demanda e para cobrir os prejuízos das operações abortadas.” Veja também |