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Lembrando Marielle, favelas da Argentina e movimentos do Brasil se unem em marcha em Porto Alegre
Fórum de La Poderosa aconteceu no último final de semana
30/07/2018


Joana Berwanger/Sul21


 Daniela Merida, 27 anos, tinha dificuldade para encontrar um trabalho formal, de carteira assinada quando fez 18 anos. Boliviana, desde os três anos, o endereço dela e da família está na favela de Fátima, em Buenos Aires, na Argentina. Um lugar que não aparece no mapa oficial da cidade e cujo endereço dificilmente era reconhecido nas inscrições de currículo que ela fazia. Foi assim que começou a trabalhar como vendedora de revistas do movimento La Poderosa.

“De cada revista que eu vendia, metade ia para meu salário, outra metade para a assembleia. Eu sabia para onde ia esse dinheiro. Por exemplo, no meu bairro, decidimos usar esse dinheiro para criar um centro cultural. Hoje, ele é o primeiro do bairro, várias crianças o frequentam para participar de atividades de educação popular”, conta ela.

Criado há 14 anos, na zona sul de Buenos Aires, o La Poderosa integra noções de educação popular, cooperativismo e comunicação. Hoje, além de estar presente em todas as províncias da Argentina, o movimento também conseguiu ter ao menos um representante em todos os países da América Latina. No Brasil, estão presentes em uma favela na Bahia e querem começar em Porto Alegre, onde já tem uma representante.

Para Dani, “La Garganta”, como chama o grupo, é o instrumento para efetivar esses ideais. “Nós sempre tivemos a voz, mas não tínhamos isso: uma ferramenta onde gritar sobre nossas vidas, nossa vivência, para que os de fora conheçam o que fazemos e deixamos de fazer nos nossos bairros. Assim, nós falamos por nós mesmos”.

Nesta sexta-feira (27), o La Poderosa deu início ao seu 2º Fórum Latino-Americano, reunindo centenas de pessoas, no Parque Harmonia, em Porto Alegre. Ativistas e militantes de vários países do continente, pessoas que integram a ação do grupo e outros que compartilham de suas causas, todos reunidos para debater onde vai a comunicação e que histórias precisam ser contadas. O primeiro encontro aconteceu em outubro do ano passado, em Cuba. A opção pelo Brasil foi determinada ainda durante este evento. Segundo Daniela, a decisão foi “por tudo o que está acontecendo no Brasil, tudo que o povo brasileiro está passando, com a lei, as disputas, o avanço da direita, a destituição de Dilma e a prisão de Lula”.

“Sabendo de onde vem Lula, do povo trabalhador, sabendo o que ele fez por um monte de vizinhos nossos, das favelas, por um monte de gente pobre, o que esse encontro quer é gerar essa plataforma de unidade dos povos da América Latina. Estamos aqui com bases de organizações de todo o continente, partidárias e não-partidárias, sindicais, de educação”, diz ela, que hoje ocupa posição de referente do La Poderosa em seu bairro e fotógrafa.

O paralelo brasileiro

Dani lembra da experiência que teve ao morar durante 40 dias no Morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, enquanto ajudava a cobrir a Copa do Mundo de 2014. Para ela, que cresceu em uma “villa” – como os argentinos chamam suas favelas -, foi perceber o quanto as experiências dos mais pobres se parecem. A única diferença, ela diz, é que seu bairro não fica em cima de um morro.

É esse o olhar que o encontro de pessoas de diferente países, mas com origens semelhantes, espera despertar, como foi colocado em uma das primeiras mesas realizadas ainda na tarde de sexta. Nela, falando sobre o Brasil, estava um dos fundadores do Mídia Ninja, o grupo que explodiu nas redes sociais durante as coberturas dos protestos de 2013 pelo país. O ano em as estruturas se movimentaram.

“Eu acho que 2013 foi muito explosivo e complexo. É um ano que não acabou. Na França, tiveram o 1968, aqui foi 2013, para essa geração. É difícil definir. Por um lado, parte da esquerda não conseguiu compreendê-lo rapidamente, então, deixou um espaço de apropriação. Por outro, a força que ele emanou estimulou o surgimento de muita coisa”, explica Pablo Capilé.

Para ele, o grupo representou uma resposta à crise de representação na mídia, que se vivia. “A gente acredita que a primeira grande crise de intermediários foi a da música e a segunda da mídia. Crise de confiança, crise econômica, aparece a Mídia Ninja com um papel possível num novo sistema”.

Como ferramenta que nasceu pela comunicação, ele vê semelhanças entre o trabalho do seu grupo e o La Poderosa. Os dois teriam surgido de um desejo por alternativas, começado por trabalho em bairros e cidades pequenas, dialogando com temas diversos. Em resumo, seriam “redes irmãs”, nascidas em lugares diferentes, mas com o mesmo princípio ativo, segundo ele. Algo que Capilé espera ver acentuado com o encontro deste ano.

“Para as pessoas se conhecerem mais, conhecerem novas tecnologias e encontrar os pontos de luta em comum. A ideia é sair daqui com uma plataforma mais conectada, uma rede de informação política, de formação, de mídia, que possa diminuir a distância entre os países e conectar essas lutas com mais força”.

Marielle e Santiago

No fim da tarde, o grupo saiu em marcha pelo Centro de Porto Alegre para marcar o início do evento. Pelo caminho, que começou ironicamente em frente ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o mesmo que há seis meses confirmou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e determinou sua prisão, os manifestantes que empunhavam bandeiras da La Poderosa, de países latinos e máscaras de Marielle Franco, iam cantando mensagens contra Michel Temer (MDB), pela liberdade de Lula e pela memória da vereadora do PSOL.

Nesta sexta, Marielle, que foi executada a tiros no dia 14 de março, em pleno Centro do Rio de Janeiro, faria 39 anos. Quinta vereadora mais votada da capital carioca, nascida na favela da Maré, mulher LGBT, mãe solteira, Marielle era símbolo de muitas lutas e empunhavam várias causas. Passados 135 dias, a polícia ainda não apresentou quem são os responsáveis por sua morte.

O trajeto da marcha seguiu até a ocupação de mulheres Mirabal, ameaçada de despejo, em um processo de negociação entre os donos do imóvel, o Estado e o município. Em frente à casa azul, na rua Duque de Caxias, a mulher de Marielle, Monica Benício, fez uma fala por ela e por tudo que seu nome representa. No fim, Monica foi abraçada por outra pessoa que sentiu na pele a morte de alguém querido há pouco tempo.

Sérgio Maldonado é irmão de Santiago Maldonado. Um artista argentino que desapareceu enquanto protestava por um território dos mapuches na província argentina de Chubut, no dia 1º de agosto de 2017. O corpo foi encontrado depois que a família e toda a Argentina passaram 78 dias se perguntando: Onde está Santiago?

“Nós dois tivemos a perda de alguém querido. [Marielle] foi assassinada, Santiago antes esteve desaparecido por 78 dias. Mas, nos dois casos, o único responsável é o Estado. Independente disso, a dor que [Monica] sente, só ela pode saber como é, mas temos que acompanhá-la porque hoje seria aniversário da Marielle. E anteontem teria sido o de Santiago. Os dois muitos jovens, os dois identificados pela briga por seus ideais”, diz Sérgio.

A diferença de idade entre os irmãos era de 16 anos. Em comum, tinham o gosto por viajar, embora cada um o fizesse à sua maneira, segundo Sérgio. A família de Santiago não era ativista. O único ato que participavam, esporadicamente, era o de 24 de março, que relembra o golpe militar que iniciou a ditadura no país em 1976. Santiago, porém, se entregava à luta por diferentes causas. Desde protestos contra a multinacional Monsanto, em defesa dos povos originários ou dos pescadores chilenos da ilha de Chiloé.

“Cada vez que ele saía e viajava, ele voltava e contava sobre a luta em um mural. No nosso povoado, Veinticinco de Mayo, há 5 murais de Santiago que representam essas lutas. Ele era um artista, tatuador, estudava Belas Artes, era anarquista. Ele não queria o Estado e esse mesmo Estado foi quem desapareceu com ele”, lembra o irmão com um sorriso. “Eu não participava de nenhuma luta, agora participo da luta por Santiago”.

Assim como Monica sabe de cabeça os dias em que está sem Marielle, Sérgio também conta os 360 desde a última vez em que soube sobre o paradeiro do irmão. A família segue buscando por verdade e justiça. Na última quarta, uma testemunha no Chile, que poderia dar características físicas dos policiais que prenderam Santiago, foi ouvida no processo. O irmão diz, no entanto, que ainda não sabe o que ela revelou.

“Além disso, consideramos que a investigação ainda não iniciou. Na verdade, os responsáveis, desde a ministra de Segurança para baixo, são todos. Participaram 130 policiais na repressão ilegal onde ele desapareceu, depois ele aparece morto em outro lugar, diferente daquele para o qual tinha sido levado”, explica.

Neste sábado, Sérgio sentará ao lado de pais de alguns dos 43 estudantes assassinados na cidade de Ayotzinapa no México, em território do narcotráfico. A mesa irá reunir pessoas que são vítimas das políticas de repressão, segundo ele. É razão pela qual decidiu participar do encontro La Poderosa em Porto Alegre.

“Eles participam de todas as lutas e nos apoiaram todo o tempo, durante o desaparecimento forçado de Santiago, quando apareceu sem vida e, agora, pedindo justiça. Todo o tempo estiveram nos acompanhando. Vir aqui é uma forma de adquirir experiência e ouvir outras pessoas que têm vivência. Não teoria, mas prática. Especialmente eles que estão em um lugar onde vivem a repressão todos os dias”, diz.

 

 

Fonte: Sul21

 
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