Ditadura militar matou mais de mil pessoal no meio rural
Militares teriam sido maciçamente apoiados pelos latifundiários, que se sentiram autorizados a reprimir os camponeses
01/04/2014
Em pronunciamento feito no Plenário da Câmara Federal em 1º de abril de 2014, o deputado Bohn Gass (PT-RS), oriundo e eleito por famílias de pequenos agricultores, afirmou que, sob a ditadura militar, mais de mil trabalhadores do campo teriam sido mortos ou desaparecidos num período pré e pós ditadura militar. "A ditadura matou mais gente no campo do que na cidade. Por conta das circunstâncias, a crueldade das mortes de camponeses foi ainda maior do que as já repugnantes mortes dos homens e mulheres da cidade. É fácil de entender: lá, nos lugares mais remotos, quase nenhuma forma de fiscalização cidadã, nenhum jornal de resistência, conseguia chegar".
Segundo Bohn Gass, "existem outras fontes que nos fazem crer que o número de mortos pela ditadura no campo foi ainda maior". Um estudo da Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica, por exemplo, indica que entre 1964 e 1989, o Brasil contabilizou o assassinato de 1.566 trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Segue abaixo o pronunciamento do deputado:
Sras e srs,
O Brasil inteiro, ontem, lembrou do golpe que deu origem à fase mais nefasta da nossa história – a ditadura militar. Mas, de novo, como quase sempre acontece, pouco se falou do campo.
Então, o que me traz a este plenário é reafirmar, para o registro na história desta Casa, que
A DITADURA TAMBÉM TORTUROU E MATOU BRASILEIROS E BRASILEIRAS QUE MORAVAM NO CAMPO.
Porque a luta democracia também aconteceu na zona rural do Brasil.
E a repressão no rural brasileiro é uma história que ainda precisa ser contada.
Bem esta história de luta foi construída, em grande medida, no anonimato.
Mas a verdade é que os trabalhadores do campo estavam organizados, antes do golpe de 1964, em ligas camponesas e outras tantas formas de articulações locais que buscavam seus direitos e enfrentavam o latifúndio.
Quando veio o golpe, os militares foram maciçamente apoiados pelos latifundiários.
E estes, com a complacência do regime, sentiram-se então autorizados a liberarem seus capangas para aumentar fortemente a repressão no campo.
Foi um tempo em que o sangue na terra jorrou aos borbotões.
Eu disse, esta é uma história que ainda precisa ser melhor contada.
Mas algumas tentativas vêm sendo feitas.
O projeto Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por exemplo, tenta bravamente colaborar para a recuperação desta tristíssima memória e nos traz alguns dados:
- seriam pelo menos 1.196 camponeses e apoiadores mortos ou desaparecidos do período pré-ditadura até o final da transição democrática – estamos falando de 1961 até 1988
- deste período, apurou-se que 97,6% dos camponeses mortos e desparecidos na ditadura militar, foram alijados da justiça de transição.
- significa que apenas 51 famílias de todas essas vítimas requereram reparações à Comissão de Anistia
- e, destes, somente 29 tiveram seus direitos reconhecidos.
Então, senhores e senhoras, diante desses números e das condições circunstanciais da repressão no campo, não é nenhum exagero afirmar:
Primeiro, que a ditadura matou mais gente no campo do que na cidade
E segundo, que por conta das circunstâncias, a crueldade das mortes de camponeses foi ainda maior do que as já repugnantes mortes dos homens e mulheres da cidade.
É fácil de entender: lá, nos lugares mais remotos, quase nenhuma forma de fiscalização cidadã, nenhum jornal de resistência, conseguia chegar.
Mas há, ainda, outra fonte a nos fazer crer que o número de mortos pela ditadura no campo foi ainda maior.
Um estudo da Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica, por exemplo, indica que entre 1964 e 1989, o Brasil contabilizou o assassinato de 1.566 trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Repito: 1.566 assassinatos!
E os senhores sabem quantos destes crimes foram a julgamento? 17. Isto mesmo, apenas e tão somente 17.
E sabem quantas foram as condenações? Oito. Isto mesmo, apenas e tão somente oito.
O certo, senhores e senhoras, é que financiada pelo latifúndio, a ditadura militar brasileira, além de ter cometido crimes brutais com as próprias mãos, ainda “terceirizou” prisões, torturas, mortes e desaparecimentos forçados de camponeses que se insurgiram contra o regime e contra as péssimas condições de trabalho no campo brasileiro.
Esta é uma verdadeira mordaça no campo, um silêncio imposto pela realidade do meio rural, com suas distâncias e dificuldade de acessar informações e mais ainda, de ser visto como parte fundamental da construção de nossa identidade nacional.
Mas estamos mudando esta realidade.
Graças aos esforços de muitas lideranças, pesquisadores e militantes do campo, o Brasil começa a contar essa história.
É uma história muito triste, mas que vem sendo feita inspirada pelo exemplo de superar este período de trevas no Brasil. E, em especial, no meio rural.
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