Humilhação no trabalho: Cresce número de ações trabalhistas baseadas em assédio moral
13/08/2010
"Lembrar-me do meu chefe é tão ruim que penso em suicídio", conta a secretária Juliana (nome fictício) sobre como foram os dois anos trabalhando "sob regime de humilhação e constrangimento", típico do assédio moral.
Casos como esse, de agressão psicológica entre chefe e empregado, são mais comuns, mas entre colegas cresce "de forma expressiva", aponta Roberto Heloani, advogado e professor da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas de São Paulo).
Segundo levantamento feito a pedido da Folha pelo Tribunal Superior do Trabalho, em 2009 foram catalogados 434 processos que envolviam assédio moral - 66% a mais do que no ano anterior.
Pesquisadores da Fundacentro, ligada ao Ministério do Trabalho, afirmam que o assunto tem sido mais discutido nos últimos três anos, contribuindo para o aumento do número de denúncias.
Mesmo afastados do emprego, profissionais que sofrem esse tipo de violência revivem as sensações de humilhação ao recordarem a rotina de trabalho, afirmam psicólogos e médicos."Ele me chamava de burra na frente dos colegas. Entrei em depressão e fui afastada. Hoje nem consigo passar na rua da empresa. Tenho crises de pânico", diz Juliana.
A secretária atuava em empresa do setor financeiro, cujo nome não autorizou que fosse publicado por temer represálias "físicas", pois afirma ainda sofrer ameaças por telefone. Além de ofensas e sobrecarga de trabalho, ela declara ter sido vítima de uma acusação infundada de roubo por seu superior.
MAIOR NÚMERO DE PROCESSOS
66% : Foi o aumento do número de ações de assédio moral de 2008 (261) para 2009 (434). Em 2010, até julho, foram 245 processos. Em 2007, haviam sido apenas 106.
( Fonte: Tribunal Superior do Trabalho)
Faltam leis sobre assédio moral : Exceção se dá no poder público; projetos pró-empregado tramitam sem previsão de aprovação
Não há uma lei federal específica que regulamente e garanta estabilidade de emprego a funcionários que sofrem pressão psicológica no ambiente corporativo.Na prática, a Justiça se utiliza dos mecanismos das leis trabalhistas para julgar o assédio moral, o que assegura o direito à indenização por danos morais e materiais nos casos em que a agressão psicológica é comprovada.
"É possível proteger o profissional assediado por meio da reclamação trabalhista", diz Eli Alves Silva, presidente da comissão de Direito do Trabalho da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).
"Mas, em geral, ele só entra com a ação quando já se desligou do empregador. O medo do desemprego se sobrepõe", complementa.As únicas exceções acontecem no serviço público: alguns municípios e Estados -caso de São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul- têm leis que restringem a prática no setor.
Após uma paralisação no hospital em que trabalhava, a auxiliar de enfermagem Dilma Conceição, 51, foi "ofendida, empurrada e transferida de área". "O diretor me chamou de negra loira e porca. Depois sofri uma pressão profissional muito maior. Acabei doente, tive até AVC [acidente vascular cerebral]", conta. Conceição entrou com ação contra o Estado de São Paulo e ganhou uma indenização de dez salários mínimos.
MUDANÇAS À VISTA
O governo do Estado de São Paulo afirma em nota que "se posiciona veementemente contra tais ações. Mas, infelizmente atos repreensíveis acontecem além do nosso controle. Quem se sentiu ofendido tem todo o direito de recorrer à Justiça."
Foi apresentado em dezembro de 2009 um projeto de lei federal (nº 80/2009) que proíbe empresas condenadas por assédio moral a participar de licitações publicas. O modelo já foi aprovado em lei pelos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
A proposta também prevê a criação de um cadastro nacional de empresas com as organizações condenadas."Assim surge uma "ficha suja", que pode inibir casos desse tipo. As empresas podem passar a não permitir esse tipo de ação para não sofrer punições", defende Candy Florêncio Thomé, juíza do trabalho substituta.
Em outro projeto de lei federal (nº 7.202/2010), o assédio moral é equiparado a acidente de trabalho. Apresentado à Comissão de Trabalho de Administração e de Serviço Público do Senado em maio, propõe a alteração da lei que define os parâmetros de estabilidade de emprego em casos de doenças e acidentes do trabalho assegurados pela Previdência Social.
Se aprovado, garantirá estabilidade ao profissional que sofreu violência psicológica como ocorre com doentes do trabalho.
Agressão também ocorre com afastados : Profissionais com doenças ocupacionais enfrentam rejeição ao voltar a trabalhar
Uma forma comum de violência psicológica no ambiente profissional é a que sofre quem tem doença ou é acidentado no trabalho.O funcionário é diagnosticado e afastado para se recuperar. Ao retornar, precisa ser reabilitado, mas às vezes encontra rejeição de colegas.
"A pessoa doente é vista equivocadamente como frágil ou incapacitada", diz Roberto Heloani, psicólogo, advogado e co-produtor do site www.assediomoral.org. A funcionária pública Débora, que não quis se identificar, ficou afastada três meses por LER (lesão por esforços repetitivos) em seu braço, causada por condições de trabalho. Ao voltar ao emprego, foi hostilizada por colegas que a substituíram.
"Eles dizem que deixei todo o trabalho para eles", diz ela, que foi transferida de setor duas vezes e ainda assim afirma sentir rejeição dos colegas nas novas funções.
Para médicos e psicólogos ouvidos pela Folha, a desmoralização nas equipes é mais frequente que o assédio entre chefe e subordinado.
"Ganhei a causa trabalhista, mas nada paga o dano moral que sofri. Fui bastante ofendida e ainda me fizeram trabalhar em condições horríveis, até que fiquei doente. Apesar de melhor, não voltei à função original" Dilma Conceição ( auxiliar de enfermagem que sofreu assédio moral no trabalho).
Agressão é mal caracterizada : Confusão e conivência de colegas dificultam identificação de caso de assédio moral contínuo
Algumas pessoas confundem assédio com dano moral. Apenas a agressão psicológica continuada caracteriza caso de assédio. "Todo mundo passa por dias ruins no trabalho. Ofensa que ocorreu apenas uma vez pode causar traumas, mas não é assédio", sinaliza Cristiane Queiroz, gerente do departamento de ergonomia da Fundacentro, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho.
Por isso a comprovação é difícil. Para reduzir o número de casos, o diagnóstico correto é fundamental, defendem especialistas.