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Devemos questionar o que há por trás do que comemos, afirma pesquisadora E denuncia: a busca do lucro a todo custo, por algumas poucas multinacionais, é a explicação para que o sistema produza mais alimentos do que nunca e, apesar disso, gere fome 26/03/2014 Esther Vivas, jornalista e pesquisadora de movimentos sociais, políticas agrícolas e de alimentação, denuncia que “a busca do lucro a todo custo, por algumas poucas multinacionais, é a explicação para que o sistema produza mais alimentos do que nunca e, apesar disso, gere fome”. Ela afirma que “a crise econômica e ecológica estão intimamente relacionadas” e considera que o capitalismo “se veste de verde” para nos fazer acreditar que a tecnologia resolverá o aquecimento global. Em sua opinião, mudar de modelo não é uma utopia, mas depende de um esforço coletivo: “Sozinho não é possível, com amigos, sim”. Confira a entrevista:
Quem decide o que comemos? Algumas poucas multinacionais, que controlam cada área da cadeia agroalimentar: desde as sementes, passando pela transformação dos alimentos, até sua distribuição e comercialização. Quais são as sete empresas que controlam 75% da distribuição? Carrefour, Mercadona, Eroski, Alcampo, El Corte Inglés e as duas principais centrais de compra, que reúnem outras cadeias: Euromadi e IFA. Diante disso, emerge o conceito de soberania alimentar. O que isso exige? Implica em uma concepção totalmente antagônica ao dominante. Reivindica o direito dos povos, das pessoas e das comunidades decidirem sobre aquilo que se produz e sobre o que comemos. Qual é a alimentação do futuro, impulsionada pelas grandes multinacionais que controlam o setor? Buscam uma alimentação mais uniforme. Ou seja, que comamos a mesma coisa em todo o mundo. A própria FAO reconhece que cada vez são produzidas menos variedades de frutas e verduras. Concretamente, durante os últimos 100 anos, 75% destes alimentos desapareceram. Percebemos claramente isso no momento de comprar no supermercado, onde existe uma grande diversidade de alimentos para escolher, mas com as mesmas marcas, tanto em um estabelecimento como em outro. Esta uniformidade também tem um impacto sobre nossa saúde, porque se nossa alimentação depende de algumas poucas variedades agrícolas e pecuárias, o que acontecerá se as mesmas forem afetadas por uma praga ou uma doença? Na Espanha, por exemplo, 98% das vacas leiteiras são de uma mesma raça, a frisona, que é a que se demonstrou mais produtiva. É a lógica do modelo: promover as variedades que se adaptam melhor, os alimentos que podem resistir uma viagem de milhares de quilômetros e chegar a nossa casa em perfeito estado... E os transgênicos... Há uma aposta clara da indústria pelos mesmos, e por um modelo agrícola adicto aos fitossanitários e aos pesticidas químicos, que possuem um impacto muito negativo sobre o meio ambiente, além de apresentarem claras interrogações sobre seu efeito em nossa saúde. Há relatórios como o do doutor Gilles-Éric Séralini que demonstraram em ratos de laboratório o impacto dos transgênicos na geração de tumores cancerígenos. Portanto, acredito que há elementos suficientes sobre a mesa para que prime o princípio de precaução, que de fato é o que se aplica na maior parte dos países da União Europeia, onde os transgênicos estão proibidos. Não, aqui, no Estado espanhol, pois é o único país da União Europeia que cultiva o milho transgênico em grande escala, o MON810 da Monsanto, principalmente na Catalunha e Aragão. O problema é que consumimos transgênicos de maneira indireta, por meio da carne e derivados, porque penso que tudo o que alimenta os animais é transgênico. Que alternativas há ao modelo dominante? Vivemos em uma sociedade onde tendemos a menosprezar o que consumimos, que não valoriza a alimentação e que promove o bom, bonito, barato e rápido. Portanto, em primeiro lugar, teríamos que nos questionar sobre o que há por trás do que comemos, revalorizar a alimentação e aqueles que produzem os alimentos, aos camponeses que, em geral, foram estigmatizados como ignorantes para justificar que se deixem as decisões nas mãos de algumas empresas que acabam fazendo negócio com nosso direito de nos alimentar. Após tomar consciência, devemos nos perguntar, ser críticos e tentar ver para além do discurso hegemônico que nos diz que esta agricultura é a melhor, que os transgênicos são a solução para a fome no mundo. E se consideramos que carecemos nos alimentar de outra maneira, é preciso passar à ação, e isto implica em apostar em um consumo de alimentos de proximidade, de temporada, ecológicos, fazer parte de iniciativas coletivas que promovam estas práticas, como grupos e cooperativas de consumo, e em comprar diretamente dos agricultores. O consumidor está preparado para a mudança? E já se iniciou? Os horários de trabalho, muitas vezes, são incompatíveis com a vida pessoal e familiar e tornam difícil a dedicação de tempo para cozinhar, alimentar-se bem. No entanto, em definitivo, também é uma questão de prioridades. Muitas vezes, critica-se a agricultura ecológica por ser cara, quando na realidade tudo depende do lugar em que você compra os alimentos, porque no grupo ou cooperativa de consumo não são tão caros. E, por outro lado, não levamos em conta este argumento quando precisamos renovar o vestuário ou comprar um novo gadget tecnológico. Acredito que, pouco a pouco, as coisas estão começando a mudar, embora seja necessário passar deste interesse individual por uma refeição sadia para outro mais coletivo e político. Que papel a crise ecológica e climática desempenha nos movimentos sociais atuais? O movimento social mais importante dos últimos anos, e que significou um ponto de inflexão no contexto político e social atual da crise, foi o do 15-M, que emergiu no dia 15 de maio de 2011 com a ocupação de várias praças por toda a Espanha e que nos devolveu a confiança em nós, em que a ação coletiva pode mudar as coisas. E que integrou alguns elementos de crítica ao insustentável modelo de produção atual. Entretanto, é certo que, hoje, a agenda ecológica e ambiental praticamente não tem presença em boa parte dos movimentos sociais mais importantes de nosso entorno. Isto se deve à ofensiva de cortes em nossos direitos mais elementares. A crise econômica e social é tão profunda que se acaba priorizando a cobertura de uma série de necessidades básicas como não perder o trabalho, não perder a moradia, para que não cortem a saúde e a educação. Os temas mais gerais, como os ambientais, não são percebidos como imediatos e parece que ficam muito, mas muito distantes, quando, na realidade, a crise climática é o elemento diferencial desta crise múltipla do sistema capitalista em relação a outras anteriores. Porque, justamente, é a que coloca em manifesto que: ou mudamos o modelo de produção, distribuição e consumo, ou as perspectivas de futuro são muito negativas. A mudança climática coloca claramente em xeque a continuidade da vida, tal e como a conhecemos hoje, no planeta. A economia verde ajuda a abrandar a mobilização? Diante da crise ecológica e climática há uma ofensiva por parte do capital e das grandes multinacionais para abordar o problema do ponto de vista tecnológico. São oferecidas soluções técnicas para um problema que, definitivamente, é político. O capital acaba mercantilizando as emissões de gases de efeito estufa por meio dos mercados de carbono, diz-nos que é preciso produzir petróleo verde e, portanto, apostar nos agro ou biocombustíveis. O capitalismo se veste de verde e deseja nos fazer acreditar que a tecnologia nos permitirá evitar este precipício em que nos vinculamos, quando na realidade é totalmente ao contrário. O que podemos fazer para não cair nele? Em primeiro lugar, seria importante que os movimentos sociais incorporassem à sua agenda os temas que tem a ver com a crise ecológica e alimentar. E, além disso, são necessárias mudanças políticas. Em geral, o discurso das instituições faz com que a responsabilidade recaia sobre o consumo, a reciclagem, no indivíduo. Assim é que percebemos nos meios de comunicação, campanha após campanha, quando o problema é o de modelo. Não tem sentido que para sair da crise o que se faz é subsidiar a indústria do automóvel, sendo que isso gerará mais impacto ambiental. Seria preciso apostar no transporte público. Contudo, percebemos a forma como em um contexto de crise econômica se aposta na indústria automobilística, enquanto se encarece de uma maneira cada vez mais aberrante o preço do transporte coletivo. Tudo isto nos mostra como a crise econômica e ecológica estão intimamente relacionadas e que aqueles que estão nas instituições basicamente buscam fazer negócio beneficiando o setor privado. Muitos taxam seus ideais de utópicos... Muitas vezes, todos aqueles que querem mudar as coisas são chamados de utópicos, mas, talvez, seja mais utópico pensar que aqueles que nos conduziram a esta crise nos tirarão da mesma, que o banco que nos levou a esta situação de bancarrota coletiva renunciará a seus privilégios para nos tirar dela. Os que fazem negócio com esse empobrecimento generalizado não renunciarão a uma série de políticas econômicas e sociais que lhes estão proporcionando grandes benefícios. É otimista em relação ao futuro? Sim, e acredito que é necessário ser. E ser otimista não quer dizer ser ingênuo. É preciso analisar a crise: quem sai ganhando, quem sai perdendo e, a partir disso, ver o que podemos fazer. É necessário que nos organizemos, pensar em alternativas a partir da base e também propor alternativas políticas para desafiar aqueles que há muitos anos utilizam a política como uma profissão em função de seus interesses. É necessário ser otimista porque a resignação, a apatia e o medo são justamente o que busca o sistema. É imprescindível a confiança em nós, não resignarmos, perder o medo e, sobretudo, atuar coletivamente. Cada um de nós, por conta própria, não pode mudar nada, mas, como se dizia no programa de televisão La Bola de Cristal, “se sozinho não é possível, com amigos, sim”. É justamente um dos argumentos que deveríamos ter presente nesta crise. http://mst.org.br/node/15890
Por Cristina Fernández - Do Ecoavant Veja também |