Acordos salariais superam inflação no 1º trimestre
De janeiro a março, 96,5% de 140 convenções coletivas registradas no Ministério do Trabalho garantiram reajuste real aos salários
05/05/2014
A inflação menor, especialmente de alimentos, no início deste ano em comparação ao começo do ano passado, facilitou a negociação de acordos salariais com aumento real. De janeiro a março, 96,5% de 140 convenções coletivas registradas no Ministério do Trabalho garantiram reajuste real aos salários, descontado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), indicador de inflação mais usado nas negociações salariais. Do total, 33% negociaram aumentos reais superiores a 2%, enquanto outros 42,5% concederam percentuais entre 1% e 2% e 21% pagaram até 1% acima da inflação dos 12 meses anteriores. No início do ano, destacam-se categorias pouco representativas do ponto de vista sindical e muito concentradas em serviços e comércio - 54% do total. Em levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), relativo ao primeiro semestre do ano passado, 84,5% das categorias tiveram ganho real.
Houve concentração de reajustes entre 7% e 8%, o que significa entre 1,5% e 2,5% de ganho real, pois a inflação em 12 meses medida pelo INPC foi de 5,26% em janeiro deste ano, percentual 1,3 ponto inferior aos 6,53% de inflação registrada pelo mesmo indicador em janeiro de 2013. Assim, um mesmo reajuste de 7% pago neste início de ano significou ganho de 1,6 ponto percentual real, enquanto no começo do ano passado ele representou 0,3% além da inflação.
Além da inflação menor do primeiro trimestre (em relação à de 2013), o mercado de trabalho ainda aquecido, com situação de pleno emprego em várias cidades, tem ajudado nas negociações, embora elas não possam ser consideradas "fáceis", dizem economistas que acompanham os acordos.
O coordenador do escritório regional do Dieese do Rio, Carlos Jardel Leal, diz que sempre que a inflação é mais alta, é mais difícil negociar um aumento real mais expressivo. No levantamento feito pelo Valor, constam seis acordos feitos no Rio, mas nenhum deles é acompanhado pelo escritório do Dieese. Eles contemplam categorias menores, de sindicatos pouco representativos. Uma das características dos acordos - presentes em quatro das seis negociações fluminenses - foi o escalonamento dos reajustes salariais, além da diferença entre o piso da categorias e os demais trabalhadores.
Nos metalúrgicos de São Gonçalo, por exemplo, com data-base em março, foi concedido reajuste de 8% para os trabalhadores com remuneração até R$ 3,7 mil. Para os demais, o acordo garantiu o INPC. Aos trabalhadores em empresas de refeições coletivas do Rio, o acordo referente a janeiro pagou 8% de aumento para salários até R$ 5.250. Para ganhos superiores, foi pago valor fixo de R$ 420.
No total dos 140 acordos, 23 (ou 16%) trouxeram uma cláusula de escalonamento de reajuste, com percentuais maiores para os menores salários. Os balanços feitos pelo Dieese - mais representativos que o levantamento do Valor por contemplarem o mesmo conjunto de categorias todos os anos - mostram que a prática tem sido recorrente para cerca de 20% dos acordos. O coordenador do escritório do Dieese de Santa Catarina, José Álvaro Cardoso, explica que é bastante comum um aumento maior para o piso e um reajuste para os demais trabalhadores, mas aí sem reajustes em escala. O escalonamento fazia mais sentido quando a inflação era maior, diz o economista do Dieese catarinense.
Em Santa Catarina, o piso ajudou as negociações deste começo de ano, diz Cardoso. Enquanto o salário mínimo nacional teve aumento real de 1% este ano, os quatro pisos regionais foram corrigidos entre 9,15% e 9,37%, indicando percentuais bem mais expressivos (3,5% em média) acima da inflação. No Estado, conta Cardoso, o piso é acertado em uma negociação bipartite, entre representantes dos trabalhadores e dos empregadores. "O governador sanciona o que é definido nessa negociação, que vale para o setor privado", explica o representante do Dieese.
"O piso regional acaba sendo uma referência e ajuda na argumentação dos trabalhadores durante as demais negociações", pondera Cardoso. Entre categorias acompanhadas pelo Dieese, os metalúrgicos de Criciúma receberam reajuste de 10% em janeiro e os trabalhadores em cerâmica da mesma região, 8%. Reajuste menos expressivo (7%) foi pago aos metalúrgicos de Jaraguá do Sul, onde está instalada a fábrica da WEG.
No Ceará, com 11 acordos no levantamento junto ao Ministério do Trabalho, o coordenador do escritório regio-nal do Dieese, Reginaldo de Aguiar Silva, diz que além dos reajustes, as categorias conseguiram conquistas em outras cláusulas, como cesta básica na construção civil, vale-alimentação para comerciários de Fortaleza (e algumas cidades do interior) e plano de saúde para os rodoviários, além do adicional de 30% para os vigilantes, mas que representou a incorporação no acordo coletivo de uma lei aprovada no Congresso.
"Desde 2005, os comerciários do Ceará têm conseguido negociar aumento real de salário", conta Silva. Ele acre-dita que a inflação mais alta - esperada para os próximos meses - pode dificultar um pouco mais as negociações futuras. Além da inflação, a perspectiva de um economia mais fraca, com a instabilidade das eleições e os efeitos (talvez de desaquecimento) provocados pela Copa do Mundo, pode atrapalhar as negociações dos próximos meses, diz Silva.
Neste começo de ano, diz Cardoso, do Dieese-SC, as primeiras negociações se mantiveram no mesmo ritmo de ganho real de 2013, embora isso não signifique que elas foram fáceis. Os trabalhadores em cerâmica de Criciú-ma, conta, conquistaram aumento real após uma greve. Ele também considera, como cenário provável, que aumente o receio dos empresários sobre o ritmo da economia. Por outro lado, pondera, estarão na mesa categorias mais fortes e a situação ainda é de pleno emprego e as grandes empresas querem reter os trabalhadores já qualificados.
Para Jardel Leal, do escritório fluminense do Dieese, a tendência continua sendo de conquista de au mento real nos acordos coletivos. "Os salários, durante muitos anos, perderam para a inflação. Mas a tendência tem sido e deve continuar assim [de ganhos reais], para a maioria", diz o economista.
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