Após três décadas de incertezas, os metalúrgicos que trabalharam no Estaleiro Só, em Porto Alegre, finalmente receberão a indenização referente ao processo de falência da empresa, decretada em 1995. A ação foi conduzida pelo escritório Woida, assessoria jurídica histórica do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre.
Em julho deste ano, o Sindicato reuniu os credores para atualizar informações sobre o processo. Agora, o resultado chega como um marco simbólico da força da organização coletiva e da persistência sindical na defesa dos direitos dos trabalhadores.
Um estaleiro que moldou a história do Sindicato
A trajetória do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre se confunde com a do Estaleiro Só. A entidade cresceu enquanto o estaleiro operava a pleno vapor, e muitos dos seus primeiros dirigentes vieram justamente das linhas de produção da empresa.
Fundado a partir da antiga Só & Cia — criada no século XIX por José Manoel da Silva Só — o estaleiro teve papel decisivo no desenvolvimento industrial do Estado. Produziu navios de grande porte, ferry-boats, rebocadores e diversas embarcações. Ao todo, foram mais de 170 unidades construídas, e o complexo chegou a empregar mais de 3 mil trabalhadores na década de 1970.
O declínio, contudo, foi marcado por atrasos salariais, desinvestimentos e uma crise que culminou na falência de 1995. Como ocorre em tantos casos no Brasil, quem mais sofreu foram os trabalhadores — muitos deles sem qualquer proteção que não fosse a atuação sindical.
Jurandir Damin, presidente do Sindicato na época da falência, relembra:
“Fico muito feliz que, após 30 anos, os trabalhadores vão receber seus direitos. Na época lamentamos muito a situação do Estaleiro. Era uma indústria importante, que empregava muita gente. Com a falência, como sempre, quem sofreu foram os trabalhadores.”
Uma luta que atravessou gerações
Alex Borba, secretário-geral do Sindicato em 1995, destaca a importância da organização coletiva para que o resultado fosse possível:
“Essa ação é antiga e a demora às vezes entristece. Mas, por outro lado, mostra que vale a pena lutar, vale a pena estar junto e confiar no seu sindicato. Se não houvesse um sindicato para defender estes trabalhadores, eles não ganhariam nada. Tenho muito orgulho de ter feito parte daquela diretoria, que hoje é sucedida por companheiros e companheiras que seguem na luta sem abaixar a cabeça pra patrão.”
Como foi o processo
A ação tramita desde os anos 1990. Ao longo desse período, os trabalhadores já haviam recebido cerca de 85% do valor principal. Nesta nova fase, receberão os 15% restantes, acrescidos de juros e correção monetária.
A advogada Fernanda Livi, do escritório Woida, explica:
“Quando a empresa vai à falência, o dinheiro arrecadado vai para pagar os trabalhadores, prioritariamente. Primeiro, recebem valores sem juros, atualizados até a data da quebra. Já haviam sido feitos pagamentos que totalizaram cerca de 85% do principal. Agora, os valores restantes do principal, com a correção monetária, ficando pendente ainda o pagamento dos juros. O último pagamento antes deste havia sido em 2016.”

A tentativa de invisibilizar o papel do Sindicato
Apesar de a conquista ser resultado direto da ação sindical e do trabalho jurídico especializado, parte da imprensa omitiu esse protagonismo. A Zero Hora, por exemplo, não citou nem o Sindicato nem o escritório que conduziu a ação, apagando o papel das entidades que garantiram o resultado.
Mais uma vez, surge o padrão histórico de tentar dissociar conquistas trabalhistas da atuação sindical — uma estratégia que contribui para enfraquecer o principal instrumento de defesa dos direitos da classe trabalhadora.
Jair Mallmann, atual presidente da Associação dos Metalúrgicos Aposentados, que trabalhou no Estaleiro por 16 anos, reconhece o trabalho feito pelo setor jurídico, mas afirma que ainda faltam valores a serem recebidos.

Jair durante o teste de um navio produzido pelo Estaleiro | Acervo particular
Fortalecer o Sindicato é fortalecer cada trabalhador
A vitória dos metalúrgicos do Estaleiro Só é mais do que o encerramento de um processo judicial: é a prova de que nenhum trabalhador conquista seus direitos sozinho.
Sem a mobilização dos trabalhadores, a atuação firme do Sindicato e a dedicação do departamento jurídico, esses valores jamais teriam sido recuperados. O caso reafirma a importância de sindicatos fortes, autônomos e comprometidos.
A luta deixa uma lição clara para esta e para as próximas gerações: Quando há união, organização e persistência, a justiça chega, mesmo que demore. E o Sindicato segue firme. Porque a luta nunca termina.